O arquiteto Guto Requena associa tecnologia e a empatia para criar projetos ousados e simbólicos. Essa trajetória começa em 1999, quando Carlos Augusto Requena entrou na Universidade de São Paulo de São Carlos e nunca mais parou na arte de inovar nos projetos. Durante nove anos foi pesquisador do NOMADS.USP, Centro de Estudos de Habitares Interativos da Universidade de São Paulo. Em 2007, ele obteve o seu mestrado na mesma Universidade com a dissertação Habitar Híbrido: Interatividade e Experiência na Era da Cibercultura.
Em 2008, fundou o Estúdio Guto Requena, já com o interesse nas pesquisas em tecnologia e na aplicação desse recurso no modo de viver e na transformação nas cidades. O primeiro projeto internacional, desenvolvido em Paris, foi o do Centro Cultural Alternativo Clube Terminal 7, uma cobertura que é discoteca, espaço de eventos, shows e congressos.
Em 2012, Guto foi selecionado pela Google para projetar o escritório brasileiro da empresa e, no ano seguinte, venceu o importante prêmio internacional “Building of the year” na categoria Arquitetura de Interiores. Em 2014, criou o Love Project em que gravou algumas histórias captando as emoções. Três relatos resultaram num objeto: uma fruteira, uma luminária e um vaso impressos em 3D. O projeto está permanentemente em desenvolvimento e surge com novos sensores e peças.
No ano seguinte, ele surpreendeu o país ao criar a Light Creature, uma nova fachada para um hotel na avenida Rebouças, em São Paulo. A experiência foi um desdobramento da sua pesquisa sobre o conceito de “Cidade Hackeada”, ou seja, como é possível provocar transformações positivas nas cidades, seus espaços públicos e sua arquitetura, plugando sistemas poéticos e funcionais que estimulem mudanças em tempo real. Trilhos de lâmpadas de LED foram instalados nas chapas metálicas que revestiram o edifício. A iluminação alternava de cor e de ritmo conforme os níveis de poluição do ar e sonora captados por sensores instalados na estrutura ligados a um software paramétrico. O projeto conquistou o iF Design Award 2017.
Guto também foi o responsável por criar o premiado projeto do Pavilhão Dançante, para os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Recentemente, com o projeto ‘My heart beats like yours’, conquistou o Architizer A+Awards 2019, premiação internacional que reconhece e valoriza o melhor da Arquitetura e design no mundo. O projeto, que em português significa “Meu coração bate como o seu”, é um trabalho interativo em grande escala. Com apelo ativista em prol da comunidade LGBT +, é um híbrido de mobiliário público/urbano e escultura, localizado na Praça da República, em São Paulo.
“Eu acredito no potencial das novas tecnologias digitais
e interativas para adicionar novas camadas de poesia na sociedade.”
Confira a entrevista:
AAI Digital – Inspirar maior empatia e consciência social aos espaços urbanos. Podemos dizer que esta é sua principal bandeira, o seu legado?
Guto Requena – Eu acho que sim. Na verdade, precisamos pensar qual é o papel do design frente a tudo que está acontecendo, frente à extinção da raça humana frente ao avanço do ódio. Parece-me que o papel do designer não é mais desenhar uma cadeira comum. O papel do design é resolver problemas. Uma das bandeiras que a gente tenta levantar no estúdio é tentar experimentar e acreditar que os nossos projetos podem despertar o ativismo que existe dentro das pessoas e que pode estimular algum propósito além da estética e da função.
AAI Digital – Como criar poéticas narrativas na Arquitetura hoje?
Guto Requena – As novas tecnologias são grandes aliadas dos arquitetos. Estamos muito interessados em experimentar com sensores e micro controladores para criar o que chamo de Arquitetura híbrida, ou seja, a mistura do analógico com o digital. Hoje, falar de Arquitetura não é apenas incluir o concreto, vidro e tijolo, mas, também, falar dessas novas tecnologias.
AAI Digital – Você defende o uso da tecnologia na Arquitetura para aproximar as pessoas e para melhorar as cidades. De que forma o espaço urbano pode ser qualificado a partir da tecnologia?
Guto Requena – Uma grande oportunidade é trazer essas tecnologias para a superfície das cidades através do mobiliário urbano. Temos que olhar para rua de outra maneira. Um ponto de ônibus não é apenas um ponto de ônibus. Um ponto de ônibus pode ser um lugar para você estimular a empatia. Uma praça não é apenas uma praça. Ela pode empoderar, pode estimular o coletivo. Eu acredito no potencial das novas tecnologias digitais e interativas para adicionar novas camadas de poesia na sociedade.
AAI Digital – Você comenta que é preciso pensar em sustentabilidade e pensar no futuro a partir a afetividade. Explique melhor esse conceito.
Guto Requena – Existem várias maneiras de pensar a sustentabilidade e estou muito interessado em investigar a sustentabilidade afetiva para ver se a gente consegue criar laços entre as pessoas e os objetos. Com isso, o ciclo de vida desses objetos tende a ser muito mais longo e, portanto, eles são muito mais sustentáveis. Uma grande possibilidade nessa linha de pensamento é a impressão 3D, especialmente se a gente pensa que existe uma série de materiais disponíveis para impressão em 3D, como os polímeros biodegradáveis, ou seja, a gente já vive um momento que se eu não quiser mais um objeto, eu posso jogar ele na água e no oceano, que ele se dissolve. Eu estou muito interessado em juntar essas duas coisas: os objetos que são emotivos. É o caso do Love Project em que a gente coloca sensores no corpo da pessoa e usa os dados emocionais para esculpir objetos, imprimindo-os em 3D.
AAI Digital – Em projetos efêmeros, instalações temporárias, a conectividade vai muito além de criar ambientes “instagramáveis”, certo? O que é mais importante em projetos desse tipo?
Guto Requena – Eu acho que o mais importante é despertar emoção, afetividade. Eu acho que usar a ideia da emoção, da empatia e do amor é um elemento fundamental para quando um arquiteto começa a pensar um projeto. Da mesma maneira que a gente fala de ergonomia, sustentabilidade, materialidade, luz e sombra, é fundamental a gente falar de afetividade, de emoção no início de um projeto.
AAI Digital – Como professor, qual a consciência que desejas despertar nos futuros arquitetos? Quais dicas você daria, em relação a hábitos de vida e práticas profissionais?
Guto Requena – Despertar nos alunos a inquietação e a curiosidade. O mundo não vem pronto e eles não vão aprender tudo. Na verdade, vão aprender muito pouco na universidade. A ideia é, na universidade, despertar a curiosidade e buscar nas outras disciplinas as respostas. Para quem estuda Arquitetura e Design, buscar na música, no teatro, na tecnologia, na rua. Usar mais e frequentar mais a cidade para poder despertar um senso de diversidade. A gente mora num país muito desigual e mais racista que existe. A gente tem a obrigação de se perguntar se já gerou oportunidade nos nossos escritórios, nas nossas oficinas e ateliês e entre nossos grupos de amigos para incluir pessoas de outras raças, religiões e gêneros.
Por Letícia Wilson, com a colaboração de Schayla Jurk.
Fotos: Divulgação